Quais são os desafios de implantar a cultura da inovação?

Muito se fala, tenta-se fazer, mas a verdade é que na teoria parece bem mais fácil. Se inovar em processos já não é tão simples, implantar a cultura da inovação é ainda mais desafiador. Afinal, como apresentar o conceito aos profissionais, de modo que eles agarrem a chance de promover, constantemente, a inovação? Como preparar uma equipe, aproveitando seu potencial, e incentivando-a a tornar-se inovadora? As experiências e a teoria nos mostram que a inovação vem de cada um: é de dentro para fora.

Quais os impactos do seu negócio?

É justamente por ser tão complexa e, intrinsecamente, ligada ao potencial humano que já se fala, inclusive, em inovação consciente. O autor do conceito é o brasileiro Lourenço Bustani, líder da consultoria Mandalah, considerado uma das pessoas mais criativas do mundo dos negócios pela revista Fast Company. Ele acredita que para terem sucesso hoje, as empresas precisam entender não só em que negócio estão, mas também os diversos impactos que ele causa e inovar aí.

“Só pode ser considerado inovador aquilo que necessariamente melhora a vida das pessoas” argumenta Bustani.

Não existe divisão entre valor e impacto

Para avançar neste sentido, é preciso compreender que toda atividade de geração de valor da empresa tem consequências no curto, médio e longo prazo. “São consequências ambientais, sociais, culturais, políticas, econômicas e podem ser positivas ou negativas”, ressalta Bustani.

Até então, as empresas dissociavam valor e impacto na condução dos negócios. E é isso que explica o contexto de completo desequilíbrio que vivemos. É preciso lançar um novo olhar sobre as coisas, porque, afinal, não existe divisão entre valor e impacto. “A partir do momento em que as pessoas começam a enxergar o impacto tanto quanto o valor, elas se sensibilizam e reveem suas ações para que sejam menos devastadoras. É quando cai a ficha e os gestores percebem que não dá mais para viver em um contexto em que poucos ganham e muitos perdem”, afirma Bustani.

Depois de compreender o cenário e a correlação entre valor e impacto, a inovação passa a ser feita com embasamento e propósito. De modo que esta não se resume apenas às mudanças nos processos ou aos avanços tecnológicos. Implantar a cultura da inovação se faz necessário e mais natural. Inaugura-se, assim, uma nova forma de fazer gestão e promover a inovação. Envolvendo o que temos de mais precioso – o talento e a sensibilidade do ser humano – para construir um mundo mais equilibrado, inclusive a partir do seu trabalho.

E como se sentem os profissionais?

A boa notícia é que os profissionais, na certa, querem participar deste processo e inovar a inovação (com o perdão do trocadilho). Segundo a pesquisa Delloite Millenial Survey 2015, 70% dos jovens querem exercer sua criatividade no trabalho e não conseguem. A mesma pesquisa também diz que 72% deles sentem que as empresas não fazem uso completo de suas habilidades.

Com tamanha vontade de fazer acontecer, eles se sentirão motivados para embarcar neste movimento pela inovação. Investindo energia, conhecimento e experiência neste projeto que deve ser construtivo para eles, para a empresa. E, também, para os clientes. Na verdade, a inovação consciente se propõe a transformar, aos poucos, o cenário no qual vivemos.

Inovação como prioridade

Mesmo em um contexto embaraçoso por conta da crise econômica que se arrasta, a inovação mantém seu grau de importância nas organizações. O Boston Consulting Group (BCG) levantou, em sua décima pesquisa sobre o tema, que 79% dos entrevistados consideram a inovação prioridade número um ou, pelo menos, colocam-na entre suas três prioridades. Esse foi o maior percentual já registrado. Então, se é prioridade, seria fácil implantar a cultura da inovação?

Quem são as empresas pioneiras?

O ranking de 2015 foi liderado, novamente, por Apple e Google. E um panorama das dez primeiras posições destaca as chamadas “empresas fast-tech” (rápidas para levar um produto desenvolvido ao cliente final) e as montadoras automobilísticas focadas em tecnologia. Mas o curioso é que cinco das dez empresas líderes de 2015 não são convencionalmente classificadas no setor de tecnologia. E, na lista das 50 maiores, 76% não são de tecnologia.

Quer dizer que a necessidade de inovar se estende a toda e qualquer empresa que queira se manter firme no mercado, com o propósito de contribuir para o desenvolvimento social e, sobretudo, para a qualidade de vida e o bem-estar de todos.

O caminho é a inovação consciente

Talvez, podemos arriscar dizer que a inovação consciente é ainda mais importante para as empresas que não trabalham com tecnologia. E, por isso, têm o compromisso de inovar e impactar na comunidade de forma ainda mais significativa. E não necessariamente palpável. Se a empresa não lança uma nova geração de smartphones a cada ano não quer dizer que a sua contribuição não seja impactante. Pelo contrário, ela pode mudar não apenas a forma de interagir por meio de um celular. Mas, sobretudo, pode desenvolver ações que contemplem também necessidades da comunidade. É um movimento no qual todos ganham!

 

Modelo SOI de inovação: Sociedade + Organização + Indivíduo

Seguindo essa mesma linha, no Brasil, com o objetivo de transformar o cenário, temos o modelo SOI de inovação, proposto pelo professor Marcus Vinicius de Araújo Fonseca, da Coppe-UFRJ, em 2010. A sigla resume Sociedade + Organização + Indivíduo (SOI) e define que o elemento principal do QI de inovação de uma empresa brasileira está em nossa terra, na alma e na cultura de nosso povo. Segundo Fonseca, “o foco de nossas iniciativas inovadoras deve ser o que nossa terra tem. Baseados na cultura de nossa gente que temos de lavrar o que é necessário. Porém não basta isso. Nossas empresas também têm de inovar de modo diferente, para contemplar a tudo e a todos.”

Trata-se de uma inovação inclusiva, que vislumbra muito além dos interesses da empresa. Segundo o modelo SOI, a cultura do povo é a inspiração para a inovação que deve ser norteada por cinco diretrizes simples:

  • Buscar sistematicamente as oportunidades de fazer aquilo de que se precisa no Brasil.
  • Ter em mente que a inovação deve dirigir-se a um mundo de todos, não de poucos.
  • Desenvolver uma inovação que seja simples e centrada em uma necessidade específica.
  • Começar com uma iniciativa pequena, mas que ambicione a liderança de seu mercado.
  • Almejar o uso da inovação já no presente, não em um futuro longínquo.

O modelo SOI de inovar quebra a crença de que a inovação está ligada somente ao desenvolvimento tecnológico. Precisamos ampliar nossa cultura e nosso QI de inovação para compreender que outras inovações – não tecnológicas – também deram e podem dar muito certo.

Como o Brasil está fazendo para implantar a cultura da inovação?

Marcus lembra que tivemos inovações brasileiras importantes “como o consórcio, que pegou o setor financeiro de surpresa; a vela de citronela, que desmitificou o inseticida em aerossol; o restaurante de comida a quilo, que tanto chacoalhou a indústria fast-food. Há uma lista brasileira, potencialmente infinita, de “produtos, processos e serviços” simples que subverteram mercados inteiros”, conclui o professor.

O grande lance é um só. As inovações de que o Brasil precisa não precisam ser mais caras do que o que existe. Nem necessitam de mais tecnologia do que já temos. Além disso, é possível inovar para a imensa massa de brasileiros, e para o mundo, de modo barato. Acertando em cheio ao investir no que realmente é necessário e impacta na vida das pessoas.

A inovação modifica a alma do negócio

Mas, seria possível dedicar-se à inovação consciente, com sucesso, sem perder de vista os objetivos mercadológicos? A experiência da Mandalah com seus clientes mostra que sim, porque a inovação consciente modifica a alma do negócio – e para melhor – de forma que o resultado só pode ser positivo. “Os gestores passaram a pensar: ‘o que mais eu posso ser além daquilo que comercializo?’

Em tempos, em que tudo o que se comercializa pode se tornar obsoleto da noite para o dia, investindo na “alma” você consegue encontrar e estabelecer um território mais perene para seu desenvolvimento, não replicável pela concorrência”, explica Bustani.

Pessoas físicas podem inovar assim com as empresas

E a inovação consciente não se restringe à atuação das empresas, pelo contrário, convida pessoas físicas para inovar também. Um dos projetos da Mandalah, por exemplo, foi feito em uma parceria entre o jogador da NBA Kobe Bryant, do Los Angeles Lakers, e as empresas Flag e Mesa&Cadeira.

Reuniu 12 criativos brasileiros na sede do Facebook, na Califórnia, para prototipar, em 96 horas, uma plataforma que contribuísse para a redução da inatividade infantil no Brasil. Um trabalho de poucos voltado para o benefício de muitos.

Kobe Bryant Project from Mandalah Conscious Innovation on Vimeo.

Conclusão

É essa mesma visão que o modelo SOI de inovação nos exige. Ou seja, podemos fazer diferente, inovando para a empresa e, ao mesmo tempo, transformando, aos poucos, a sociedade. Para começar a implantar a cultura da inovação, o primeiro passo é compreender que sociedade, organizações e indivíduos formam um sistema e este precisa estar em equilíbrio. Por muito tempo fomos negligentes e indiferentes, deixando a poluição, a extinção e a violência invadirem nosso cenário. Agora, precisamos mudar e inovar para todos, para preservar o que temos de melhor: nosso país e as pessoas.

Enfim, pense no modelo SOI, em como implantar a cultura da inovação com a inovação consciente. E, construa o QI de inovação de sua empresa, para fazer mais e diferente. Os inovadores rápidos têm mais chances de se destacarem dentre tantos concorrentes. Que, possivelmente, ainda nem estão pensando em implantar a cultura da inovação.